Haverá relações conjugais no mundo vindouro? A resposta de muitos cristãos sinceros é “NÃO!” Eles acreditam que na ressurreição os remidos receberão algum tipo de corpo espiritual “unisex” que irá substituir nossos atuais corpos físicos e heterossexuais. Em consequência, as relações conjugais íntimas, deixarão de existir no mundo por vir.
É isso que a Bíblia ensina sobre a vida no mundo vindouro? Irão os remidos receber um corpo espiritual, angélico e unisex que impeça as relações conjugais? Será que eles vão passar a eternidade em uma espécie de retiro monástico, dedicado à eterna contemplação e meditação, ou eles vão se envolver nas atividades normais da vida atual?
O pensamento de passar a eternidade em um centro etérico em algum lugar fora do espaço, trajando vestes brancas, dedilhando harpas, cantando, meditando, e contemplando, era atraente para os cristãos medievais, que previam o Paraíso como uma espécie de retiro monástico. Essa visão do Paraíso, no entanto, dificilmente pode agradar os cristãos do século XX, apaixonados pelas visões e sons das grandes metrópolis. Isto pode explicar porque a maioria dos cristãos de hoje não parecem estar esperando ansiosamente a vinda do Senhor para estabelecer Seu reino eterno. Eles não têm tanta certeza se querem viver como monges por toda a eternidade na bem-aventurança de um Paraíso etéreo o qual seja tão casto, tão desinfectado, e tão irreal.
Duas Fontes Inspiraram este Estudo da Bíblia
A inspiração para preparar este ensaio veio de duas fontes diferentes. A primeira, é um ensaio intitulado “Haverá Sexo no Céu?” de Mike Leno. Ele atualmente está servindo como pastor na Igreja Adventista em Ontário, Califórnia. Ao longo dos anos o Pastor Mike me convidou várias vezes para apresentar meus seminários nas igrejas que pastoreava, no Noroeste, Georgia e Califórnia. Ele é um pensador perspicaz e envolvente. Ele postou seu ensaio na edição de maio de sua Newsletter GraceNotes que pode ser acessada na página http://mikeleno.net/ . Você irá desfrutar de seus boletins de notícias pastorais. Eles são curtos, perspicazes e envolventes.
A segunda fonte é uma compilação de declarações de Ellen White sobre a reunificação das famílias no mundo por vir. A compilação foi elaborada por Raymond Mayer, MD, um médico aposentado que tem sido o mais gracioso e útil vizinho, nos últimos 13 anos. Recentemente, ele perdeu a esposa para o câncer depois de um casamento feliz que durou 52 anos. Embora ele ainda seja um homem muito saudável e enérgico, ele decidiu não voltar a se casar, porque ele está ansioso para reencontrar a sua dedicada esposa. Ele encontrou suporte para suas convicções em algumas declarações de Ellen White que serão citadas posteriormente.
Este ensaio “Haverá casamento no mundo vindouro?” foi extraído de dois de meus livros “O Pacto do Casamento” e “Ressurreição ou Imortalidade?”. Por razões de brevidade, eu seleccionei apenas os parágrafos que se relacionam mais diretamente ao nosso tema.
Os Objetivos Deste Estudo Bíblico
Este estudo bíblico procura entender os ensinamentos bíblicos sobre o Mundo por vir. Os cristãos devem estar ansiosos para aprender o máximo possível sobre o novo mundo que os espera no final de sua peregrinação terrena. Uma visão mais clara da nova terra, pode alimentar a esperança e fortalecer a fé daqueles que são chamados a viver entre as incertezas e dificuldades da vida presente.
Este estudo bíblico é dividido em três partes, que estão intimamente relacionadas. A primeira parte aborda a questão: Como serão as pessoas no mundo por vir? Os remidos serão ressuscitados com um corpo físico como o presente, ou será que eles recebem um corpo, espiritual / etherial / imaterial, radicalmente diferente? Será que vão ser as mesmas pessoas como as que existiam anteriormente na terra, ou serão completamente diferentes?
A segunda parte analisa a questão: Como será a vida no mundo por vir? Será que o novo mundo será um lugar material como o presente, ou será um reino “espiritual / etéreo” radicalmente diferente do nosso presente mundo? Os remidos exercerão algum tipo de atividades que hoje conhecemos, ou será que vão passar a eternidade em eterna contemplação e meditação?
A terceira parte discute a questão: Será que vai haver relações conjugais no mundo por vir? Irão os remidos viver um estilo de vida solitário como os monges? Será que a relação marido / esposa ainda continua no mundo por vir? Ou será que Deus vai mudar a concepção da Criação, recriando os redimidos como pessoas “unissex” que viverão um estilo de vida solitário?
Estas são questões fundamentais que merecem investigação bíblica cuidadosa, porque o que os cristãos acreditam sobre sua vida no mundo vindouro determina em grande parte como eles vivem suas vidas no mundo atual. Historicamente, a maioria dos cristãos têm imaginado o mundo por vir como um lugar que é bonito, mas etéreo, um lugar onde as sólidas alegrias da vida presente devem ser trocadas por uma existência espiritual de adoração e contemplação contínuas. Essa visão do mundo que virá se reflete nas linhas de hinos populares como aquele que diz: “Em mansões de glória e interminável deleite, Eu vou sempre Te adorar, no céu tão brilhante”.
A visão etérea do Paraíso foi inspirada pelo mais Filosófico dualismo grego do que pelo realismo bíblico holístico. Para os gregos, o corpo físico e os componentes materiais deste mundo eram maus, e, consequentemente, não dignos de sobrevivência. Seu objetivo era chegar a um reino espiritual onde suas almas, libertas da prisão de um corpo físico e de um mundo material, iriam desfrutar a felicidade eterna.
Realismo Bíblico
A Bíblia rejeita a visão etérea do mundo por vir, porque afirma a bondade da criação física de Deus. ”Era bom”, é o anúncio divino de toque de cada etapa da criação da vida humana e sub-humana (Gn 1:10, 18, 21, 25, 31). O propósito da redenção não é a libertação das almas espirituais da servidão de um corpo físico e de um mundo material, mas a restauração de toda a criação humana e sub-humana à sua perfeição original. O “novo céu e a nova terra” (Is 65:17; Ap 21:1) não são um mundo remoto e inconseqüente em algum lugar fora do espaço, mas eles são o céu e a terra renovados à sua perfeição original.
Parte I. Como Serão as Pessoas no Mundo Vindouro?
Antes de tomar um olhar mais atento aos vislumbres bíblicos sobre a vida no mundo por vir, vamos considerar como serão as pessoas no novo mundo. Será que os santos ressuscitados / transladados receberão um corpo físico como o presente ou um corpo espiritual radicalmente diferente do atual?
Nós tivemos antes a sorte de ter Paulo discorrido sobre esta questão que foi levantada pelos Coríntios: “Mas alguém pode perguntar: “Como ressuscitam os mortos? Com que espécie de corpo virão?” Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como o de trigo, ou o de outra qualquer semente. Mas Deus lhe dá um corpo como lhe aprouve, e a cada uma das sementes um corpo próprio” (1 Coríntios 15:35-38).
O que Paulo está dizendo aqui é que da mesma forma que Deus dá um corpo a cada tipo de semente que é semeada, ele também dará um corpo a cada pessoa que está enterrada. O fato de que os corpos mortos são enterrados como a semente na terra sugeriu a Paulo fazer a analogia com a semente. Paulo desenvolve a analogia das sementes, dando-nos a descrição mais clara que encontramos na Bíblia sobre a continuidade / descontinuidade entre o corpo presente e o futuro: “Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual” (1 Coríntios 15:42-44).
Nesta passagem, Paulo explica a diferença entre o nosso corpo atual e o corpo da ressurreição futura por meio de quatro contrastes. Esses contrastes são igualmente aplicáveis aos corpos dos santos vivos que serão transformados na volta de Cristo sem ver a morte. Em primeiro lugar, nossos corpos atuais são perecíveis (phthora), sujeitos às doenças e morte – mas nossos corpos ressurretos serão imperecíveis (aphtharsia) – não susceptíveis à doença e à morte. Em segundo lugar, nossos corpos atuais experimentam a desonra de serem baixados em uma sepultura, mas nossos corpos ressurretos vão experimentar a glória de uma transformação interior e exterior.
Em terceiro lugar, nossos corpos atuais são fracos, eles se tornam facilmente cansados e exaustos, mas os nossos corpos ressurretos serão cheios de energia, com energia ilimitada para realizar todas as nossas metas. Em quarto lugar, os nossos corpos atuais são físicos (soma psychikon), mas nossos corpos ressurretos serão espirituais (soma pneumatikon). Esse último contraste tem levado muitos a acreditarem que a ressurreição / transladação de nossos corpos será “espiritual” no sentido de eles consistirem de uma substância não-física, não-material, seja ela qual for.
A Ressurreição Espiritual do Corpo
Será que Paulo acreditava, e a Bíblia ensina que na ressurreição / transladação, os crentes receberão corpos não-materiais e não-físicos, totalmente desprovidos de substância física? Este é realmente o ponto de vista de muitos cristãos hoje. Eles definem “corpo espiritual – soma pneumatikon”, como significando um corpo não-físico adequado para o novo “ambiente celestial”.
Essa crença popular se baseia na suposição de que Deus vai condenar esta terra à desolação eterna e criar, em vez disso, um novo mundo celestial “adequado para a habitação de santos espirituais”. Esta hipótese levanta questões sérias sobre a sabedoria de Deus em primeiro criar um planeta para sustentar a vida humana e suburbana, apenas para descobrir mais tarde que ele não é o local ideal para a morada eterna dos remidos.
Este raciocínio é ridículo para quem acredita na omnisciência e imutabilidade de Deus. A mudança de modelos e estruturas é normal para seres humanos finitos que aprendem por tentativa e erro, mas seria anormal e inconsistente para um Deus infinito que conhece o fim desde o início. Se Deus descobriu que a matéria tornou-se intrinsecamente má e tinha que ser banida, então, em certo sentido, o diabo e os filósofos gregos, teriam provado estar certos. Mas a matéria não é má, porque faz parte da boa criação de Deus. A Bíblia afirma que este mundo material era “muito bom” (Gn 12:31) na criação, e não há razão para acreditar que será “muito ruim” na restauração final.
A prova mais convincente da bondade da presente criação é o ensino da ressurreição do corpo – um ensino que era absurdo e extremamente ofensivo para os pensadores gregos, que acreditavam que o corpo físico, assim como o mundo material são maus e, portanto, seriam descartados no momento da morte. Para eles, somente a alma sem corpo sobrevive à morte do corpo.
Aparentemente, alguns cristãos de Corinto foram influenciados por esta predominante visão dualista grega da natureza humana e seu destino. Isto é indicado pela pergunta de Paulo: “…como dizem alguns entre vós que não há ressurreição de mortos? (1 Cor 15:12). Paulo refuta esse erro ao afirmar a ressurreição do corpo. Este ensinamento fornece a prova mais convincente da continuidade entre a vida presente e a vida futura.
Vida Conduzida pelo Espírito
Alguns contestam a noção de continuidade, porque Paulo contrasta o corpo atual “físico-psychikos” com o futuro corpo ressurreto “espiritual—pneumatikon”. Para eles, esse contraste indica que o corpo da ressurreição não será mais físico consistindo de “carne e sangue”. Esta interpretação ignora que para Paulo “espiritual” não significa “não-físico”. Isso é evidenciado pelo seu uso das mesmas duas palavras (físico-psychikos / espiritual-pneumatikos), na mesma epístola com referência à vida presente: ” Ora, o homem natural [físico-psychikos] não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém o homem espiritual [pneumatikos] julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém” (1 Coríntios 2:14-15).
É óbvio que o homem espiritual nesta passagem não é uma pessoa não-física. Pelo contrário, é alguém que é guiado pelo Espírito Santo, em contraposição a alguém que é guiado pelos impulsos naturais. Da mesma forma, a ressurreição do corpo é chamada em 1 Coríntios 15:44 “espiritual” porque ela é regida não pelos impulsos carnais, mas pelo Espírito Santo. Isto não é um dualismo antropológico entre as naturezas “física–psyche” e “espiritual–pneuma”, mas uma distinção moral entre uma vida guiada pelo Espírito Santo e uma controlada por desejos pecaminosos.
Essa percepção nos ajuda a entender a declaração de Paulo alguns versos depois: “carne e sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção”. É evidente aqui, que Paulo não está dizendo que o corpo da ressurreição será não-físico, porque, escrevendo aos Romanos, ele diz: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós” (Rm 8:9).
Na frase “não estais na carne” Paulo obviamente não quiz dizer que os Cristãos tinham abandonado seus corpos físicos. Pelo contrário, ele quis dizer que já na vida presente, eles foram guiados pelos valores espirituais e não pelos valores mundanos (Rm 8:4-8). Se Paulo podia falar dos cristãos como não estando “na carne”, já na vida presente, a sua referência à ausência de “carne e sangue” no Reino de Deus, significa simplesmente a ausência das inclinações naturais, carnais e pecaminosas da vida presente, porque os remidos serão conduzidos integralmente pelo Espírito.
O Significado da Ressurreição do Corpo
O que, então, “a ressurreição do corpo” significa? Os escritores bíblicos sabiam tão bem quanto nós que não poderia significar a reabilitação de nossos atuais corpos físicos. Primeiro, porque muitos corpos estão doentes ou deformados, e segundo, porque a morte os decompõem e eles retornam ao pó (Sl 104:29;. Cf Ecles 3:20; Gn 3:19).
No ponto de vista Bíblico holístico da natureza humana, o termo “corpo” é simplesmente um sinónimo de “pessoa”. Por exemplo, quando Paulo apela “apresenteis os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12:1), ele está claramente pensando em toda a pessoa. Em vista desse fato, acreditar na ressurreição / transladação do corpo significa crer que todo o meu eu humano, o ser humano que “eu” sou, será restaurado à vida novamente. Isso significa que eu não vou ser alguém diferente de quem eu sou agora. Serei exclusivamente eu mesmo. Em resumo, isso significa que Deus se comprometeu a preservar minha individualidade, personalidade e caráter.
Central com a promessa bíblica da ressurreição do corpo está o compromisso de Deus para restaurar a vida das pessoas mesmo as que existiam anteriormente na terra. A Bíblia nos assegura a preservação da nossa identidade através da imagem sugestiva de “livros” onde os nossos “nomes”, pensamentos, atitudes e ações são registrados (Fp 4:3; Ap 3:5; 13:8; 17:08 ; 20:12).
Um nome na Bíblia representa o caráter ou a personalidade, como indicado pelos vários nomes usados para retratar o caráter de Deus. Isso sugere que Deus preserva uma imagem exacta do caráter de cada pessoa que já viveu neste planeta. O registro de cada vida é completo, pois Jesus disse: “…de toda palavra fútil que os homens disserem, hão de dar conta no dia do juízo. Porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado” (Mt 12 :36-37).
Cada crente desenvolve seu caráter próprio e único, como resultado das tentações, lutas, derrotas, decepções, vitórias, e crescimento em graça a cada uma dessas experiências. Isto significa que a possibilidade de “replicação múltipla” de pessoas na ressurreição, todas olhando, agindo e pensando da mesma forma, é inconcebível. Como não existem duas pessoas com o mesmo design de DNA molecular, do mesmo modo não há dois cristãos cuja personalidade seja a mesma. Cada um de nós tem um caráter e personalidade único que Deus preserva e unirá ao corpo ressuscitado.
Em uma sociedade onde as pessoas são muitas vezes consideradas como engrenagens de uma máquina, números em um computador, é reconfortante saber que Deus coloca um significado transcendente sobre nossa identidade pessoal. Ele tem escrito o nome de cada crente “antes da fundação do mundo no livro da vida” (Ap 13:8). Aos olhos de Deus o que finalmente conta, não é a nossa filiação à igreja, nossa linhagem familiar, nosso pertencimento racial, mas os valores, atitudes e decisões que caracterizam a nossa personalidade.
Algumas Implicações Práticas
As implicações práticas da crença na ressurreição da pessoa como um todo não são difíceis de ver. Crer na ressurreição do corpo significa crer que seremos capazes de reconhecer nossos entes queridos. Devemos reconhecer os nossos entes queridos, não necessariamente porque serão exatamente os mesmos de quando os vimos pela última vez, mas porque a sua individualidade e personalidade serão providencialmente preservadas e ressuscitam em um corpo totalmente novo dado por Deus.
Quando nós nos encontramos com colegas de escola após 20 ou 30 anos, na maioria das vezes temos dificuldade em reconhecê-los por sua aparência externa. Mas assim que eles começam a conversar, percebemos quem eles são, porque suas personalidades únicas realmente não mudaram. Eles ainda são a Maria, o João, ou o Bob que conhecemos muitos anos antes.
O mesmo princípio se aplica ao reconhecimento de nossos entes queridos ressuscitados. Devemos reconhecê-los, não porque eles parecerão tão jovens ou tão velhos como quando os vimos pela última vez, mas porque a sua individualidade e personalidade é providencialmente preservada e ressuscitada em um corpo novinho em folha por Deus.
O fato de que Deus vai restaurar a cada um de nós a nossa personalidade e caráter distintos, ensina-nos que a nossa futura personalidade é formada agora. Como bem colocou Ellen G. White, “O caráter formado nesta vida determinará o destino futuro” (Orientação da Criança, p. 229). Esta importante verdade convoca-nos a cultivar todos os poderes que Deus nos deu, a fim de desenvolvermos um caráter que esteja apto a servir a Deus, não só neste mundo, mas também no mundo vindouro.
Resumindo, então, as pessoas no mundo por vir terão corpos físicos como os atuais, mas sem as responsabilidades do pecado, doença e morte. O objetivo do Plano de Redenção não é remover os defeitos da original criação material de Deus, recriando a criação humana e sub-humanas de uma diferente substância não-física e “espiritual”, mas restaurar toda a criação à sua perfeição original. O que era “muito bom” na criação será provado ser “muito bom” na restauração final.
Parte 02. Como Será a Vida no Mundo Vindouro?
Na primeira parte deste estudo bíblico, concluímos que os redimidos vão ter um corpo físico, como o presente, mas sem as responsabilidades do pecado, doença e morte.
A próxima questão que queremos abordar é o próprio ambiente e o estilo de vida dos redimidos. Será que o novo mundo é um lugar material, como o presente, ou um reino “espiritual” radicalmente diferente deste mundo? Os remidos exercerão algum tipo de atividades que hoje conhecemos, ou será que vão passar a eternidade em eterna contemplação e meditação?
As passagens bíblicas que falam da vida na nova terra (Is 65:17-25, 66:22-23; Apocalipse 21:01-22:05), oferecem-nos apenas vislumbres do que a vida realmente vai ser lá. Assim, qualquer tentativa de caracterizar a vida, e as condições do mundo por vir deve ser vista como esforço muito limitado e imperfeito para descrever uma realidade que “olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem penetraram o coração do homem” (2 Coríntios 2:9).
A Renovação da Terra
Para apreciar os vislumbres bíblicos sobre a vida no mundo vindouro, é importante lembrar em primeiro lugar que na Bíblia a habitação eterna dos remidos está localizada aqui em baixo na terra, e não em algum lugar no céu. Tanto o Antigo como o Novo Testamento falam de um “novo céu e uma nova terra” (Is 65:17; Ap 21:1), como sendo, não um mundo diferente em algum ponto fora no espaço, mas o céu e a terra renovados e transformados à sua perfeição original.
A visão bíblica do mundo futuro é inspirada pela paz, harmonia, prosperidade material, e deleite do sábado da criação. O primeiro dia de Adão após sua criação funciona no Antigo Testamento como um paradigma dos Últimos Dias, uma designação comum para o mundo vindouro. A paz e a harmonia que existia entre Adão e os animais da criação será restaurada na nova terra quando “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabritinho, e o bezerro, o leão e o animal cevado andarão juntos , e uma criança os guiará” (Is 11:6).
Do mesmo modo, a prosperidade e abundância que prevalecia na criação serão restauradas na nova terra, onde “o que lavra alcançará ao que sega, e o que pisa as uvas ao que lança a semente; :e os montes destilarão mosto, e todos os outeiros se derreterão” (Amós 9:13, cf . Is 4:2; 30:23-25; Joel 3:18, 3:13 Sf). Estas descrições transmitem a imagem de uma verdadeira e abundante vida “terrena” no novo mundo. “O deserto torna-se um campo fértil” (Is 32:15) e “o lobo habitará com o cordeiro” (Is 11:6).
O Novo Testamento apresenta essencialmente a mesma visão do mundo por vir. Pedro fala que “…a terra, e tudo o que nela há…”, será purificada pelo fogo (2 Pe 3:10). O resultado será “um novo céu e uma nova terra, onde habita a justiça” (2 Pe 3:13). Paulo declara que toda a criação humana e sub-humana aguarda com grande desejo se libertar “do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8:19-21). João teve uma visão do “novo céu e a nova terra” que Deus vai estabelecer, após a purificação desta presente terra (Ap 21:1-4).
Vida Urbana Ativa
Talvez a imagem mais poderosa usada no Novo Testamento, para transmitir o sentido de continuidade entre o presente e o futuro mundo, é a imagem da Cidade Santa. Hebreus, por exemplo, diz que Abraão “aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador” (Hb 11:10). A experiência de Abraão é tipológica de todos os crentes, porque, como explica o mesmo autor, “não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir” (Hb 13:14).
O Novo Testamento termina com uma descrição mais impressionante da Cidade Santa, a Nova Jerusalém, na qual são bem-vindos “apenas aqueles que estão escritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap 21:27). É duvidoso que todos os detalhes da cidade, tais como a alta muralha, as doze portas, os doze fundamentos, devem ser interpretados literalmente. Seja qual for o seu significado, pode ser que a visão da Cidade Santa transmita a imagem, não de uma vida mística monástica em um retiro paradisíaco, mas de vida urbana de intensa atividade na terra renovada.
A vida na Cidade Santa não será de isolamento e solidão, mas de comunhão, emoção e ação. A Nova Jerusalém será um complexo lugar cosmopolita onde todos os tipos de pessoas de diferentes raças, culturas e línguas, irão viver e trabalhar juntas e em paz. A vida não vai ser estática e chata, mas dinâmica e criativa.
A imagem dos redimidos vivendo juntos na Cidade de Deus, em inter-relação e interdependência representa o cumprimento do propósito divino para a criação e redenção. Na criação, Deus quis que os seres humanos encontrassem satisfação, não em viverem sozinhos, mas em trabalharem juntos para subjugar e dominar a terra. Através da redenção, Cristo nos reconcilia com Deus e com os nossos semelhantes, para que possamos viver em paz com todas as pessoas.
Vida Urbana Sancionada por Deus
A visão bíblica da Cidade Santa na nova terra, sugere que a estrutura da vida urbana é sancionada por Deus. Para muitos é difícil aceitar este ponto de vista, porque nossas cidades atuais são dificilmente um reflexo da Cidade de Deus. Pelo contrário, elas são os lugares onde o crime, o ódio, a hostilidade e a indiferença para com Deus e seus semelhantes prevalecem.
O estado atual da vida urbana não deve levar-nos a rejeitar, em princípio, a urbanização como uma estrutura social pecaminosa. O fato de que a vida urbana vai continuar na nova terra, nos diz que será possível para as pessoas viverem juntas em um complexo sistema urbano de inter-relação e interdependência, sem dar origem a problemas sociais, económicos, ecológicos, políticos e raciais que vivenciamos hoje. Além disso, essa visão de convivência na futura cidade de Deus desafia-nos, como cristãos a não abandonar as cidades em massa, fugindo do país, mas a trabalhar nelas e por elas, oferecendo a nossa influência cristã para ajudar a resolver seus muitos complexos problemas.
Atividade e Criatividade
A vida na nova terra não vai ser gasta em ociosidade ou meditação passiva, mas em atividades produtivas e de criatividade. Aqueles que pensam que os redimidos viverão no novo mundo como convidados glorificados, alimentados, alojados e entretidos por Deus, estão totalmente enganados. A nova terra não é uma espécie de mundo mágico da Disneylândia onde Deus fornece intermináveis passeios de graça para todos. Não haverá pessoas ociosas no mundo vindouro. Isaías escreve: “Eles edificarão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto. Não edificarão para que outros habitem; não plantarão para que outros comam; porque a longevidade do meu povo será como a da árvore, e os meus eleitos desfrutarão de todo as obras das suas próprias mãos” (Is 65:21-22).
A imagem bíblica do mundo de amanhã é aquela em que pessoas reais se envolvem em atividades produtivas e de criatividade. Não haverá falta de tempo ou de recursos para concluir os nossos projetos. No campo do conhecimento, hoje, nós só podemos riscar a superfície de qualquer disciplina e quanto mais aprendemos, mais percebemos que há ainda muito a ser aprendido. Na nova terra, não haverá limite para o nosso crescimento no conhecimento e na graça. “Todas as faculdades se desenvolverão, ampliar-se-ão todas as capacidades. A aquisição de conhecimentos não cansará o espírito nem esgotará as energias. Ali os mais grandiosos empreendimentos poderão ser levados avante, alcançadas as mais elevadas aspirações, as mais altas ambições realizadas; e surgirão ainda novas alturas a atingir, novas maravilhas a admirar, novas verdades a compreender, novos objetivos a aguçar as faculdades do espírito, da alma e do corpo” (O Grande Conflito pág 677).
Continuidade com a presença de Cultura
A vida na nova terra vai envolver uma certa continuidade com o que pode vagamente ser nossa cultura atual. Isto é sugerido pelo fato de que Deus vai purificar esta terra e ressuscitar o nosso corpo, ao invés de criar um novo planeta com habitantes novos.
Outra indicação significativa de continuidade é encontrada em Apocalipse 21:24, 26 que diz: “os reis da terra trarão para ela [cidade] a sua glória. . . . a ela trarão a glória e a honra das nações”. Esta passagem sugere, em primeiro lugar, que os habitantes da nova terra vão incluir pessoas que alcançaram grande destaque e poder neste mundo: reis, presidentes, cientistas, e assim por diante. Em segundo lugar, as contribuições únicas que indivíduos ou nações têm feito para a melhoria da vida presente não serão perdidas. Elas vão continuar a enriquecer a vida da nova terra. Isso nos dá razão para acreditar que os avanços tecnológicos do nosso tempo nos campos de computadores, comunicação e viagem não serão perdidos, mas serão muito maiores, refinados e aperfeiçoados.
Deus, que afirma a bondade do mundo que Ele fez, e que valoriza nossas realizações criativas, não irá simplesmente descartar todo o trabalho criativo que homens e mulheres têm produzido, muitas vezes em grande sacrifício pessoal. É reconfortante pensar que o valor do nosso trabalho criativo se estenderá além da vida presente para a nova terra. A preservação das conquistas da humanidade original sugere que a vida na nova terra não será monótona e sem cor, mas emocionante e gratificante.
Ausência do Mal
A diferença mais notável entre a nossa vida presente e a da nova terra será a ausência de todas as coisas que agora limitam ou prejudicam a nossa vida. O diabo, que é a fonte suprema de todas as formas do mal, será destruído no lago de fogo (Apocalipse 20:10). Por conseguinte, não haverá mais uma manifestação do mal dentro de nós ou ao nosso redor. É difícil imaginar como será viver no novo mundo sem a presença do ódio, ciúme, medo, hostilidade, discriminação, fraude, opressão, assassinato, concorrência predatória, rivalidades políticas, corridas armamentistas, recessões econômicas, tensões raciais, fome, disparidade entre ricos e pobres, doença e morte.
“Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Ap 21:4). Essas pinceladas ousadas sugerem muito mais do que elas realmente indicam. Elas sugerem que não haverá mais doenças incuráveis, nenhum acidente trágico, não haverá mais crianças aleijadas, serviços funerários, nem separações permanentes. Elas também sugerem que seremos capazes de realizar nossos objetivos inspirados por Deus. Em nossa vida presente, doença ou morte, muitas vezes termina com projetos ambiciosos que estávamos buscando. Na nova terra, todos terão tempo e recursos ilimitados para atingir as metas mais elevadas.
Ausência do Medo
A ausência do mal será evidente, especialmente a ausência do medo, insegurança e ansiedade. Nossa vida atual é constantemente exposta a riscos, incertezas e medos. Temos medo da perda do nosso trabalho, medo de ter um assaltante em nossa casa, de roubarem nosso carro, da infidelidade conjugal do nosso parceiro, do fracasso de nossos filhos na escola ou no trabalho, da deterioração da nossa saúde, da rejeição pelos colegas. Em uma palavra, temos medo de todas as incertezas da vida. Tais temores enchem nossas vidas com ansiedade, contradizendo assim o propósito de Deus para nós e diminuindo nosso potencial humano.
As Escritura usam várias imagens para tranquilizar-nos que na nova terra não haverá medo ou insegurança. Ela fala de uma cidade com bases permanentes construída pelo próprio Deus (Hb 11:10), e de “um reino que não pode ser abalado” (Hb 12:28). Talvez a imagem mais sugestiva de segurança para os cristãos do primeiro século fosse uma cidade com “um grande muro alto” (Apocalipse 21:12). Uma vez que os enormes portões eram fechados nas cidades antigas, os seus cidadãos poderiam viver dentro delas em relativa segurança. Para enfatizar a segurança completa na nova terra, a Cidade Santa foi mostrada à João como tendo paredes que são tão elevadas como o seu comprimento (Apocalipse 21:16).
Ausência de Poluição
Um dos aspectos mais agradáveis da vida na nova terra será o seu meio ambiente limpo. “Nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no Livro da Vida do Cordeiro” (Apoc 21:27). A liberdade da poluição moral do pecado será refletida na liberdade da poluição física do meio ambiente. A vida já não será ameaçada pela poluição irresponsável nem pelo esgotamento dos recursos naturais, porque os cidadãos da Nova Terra serão fiéis despenseiros da nova criação de Deus.
Não haverá “áreas para fumantes” na nova terra, porque ninguém nunca mais vai querer fumar. Que alívio será sermos capazes de respirar sempre ar fresco, ar limpo, dentro e fora de casa; de podermos beber de qualquer fonte de água límpida e cristalina, de comer alimentos frescos, saudáveis não contaminados por agrotóxicos ou conservantes!
Também é reconfortante o fato de que os cidadãos da nova terra serão administradores responsáveis da nova criação de Deus e não vão desperdiçá-la novamente. Eles provavelmente vão produzir poucos resíduos e saber como eliminá-los de tal forma que a natureza será capaz de assimilar e processar. Um perfeito equilíbrio ecológico será preservado, o que irá garantir o bem-estar da criação humana e sub-humana.
A Presença de Deus
O aspecto mais original e gratificante da vida na nova terra será uma experiência sem precedentes da presença de Deus entre o Seu povo. “Eis a morada de Deus com os homens. Ele habitará com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles” (Ap 21:3). Essas palavras são familiares a promessa central da aliança da graça de Deus (cf. Jer 31:33; Hb 8:10), que será realizada totalmente na nova terra.
A presença de Deus na nova terra será tão real que “A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada” (Ap 21:23). Os crentes desfrutarão na nova terra abençoada a comunhão que Adão e Eva experimentaram a cada sábado, quando Deus ia visitá-los. A queda interrompeu esta comunhão abençoada, mas o sábado ficou para lembrar os fiéis da sua futura restauração (Hb 4:9). A nossa celebração semanal do sábado alimenta a nossa esperança da futura comunhão com Deus na nova terra. Isso vai ser, como diz Agostinho, “o maior dos sábados” quando “Aí repousaremos e veremos; veremos e amaremos; amaremos e louvaremos, E isto será no fim sem fim”.
Culto Regular e mais Rico
Central para a vida na nova terra será a adoração regular à Deus. Isaías descreve a regularidade e a estabilidade da adoração na nova terra, em termos familiares a seu tempo: “E será que, de uma Festa da Lua Nova à outra e de um sábado a outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz o SENHOR” (Is 66: 23). O contexto indica que essa reunião regular para adoração remete, antes de tudo, a tão esperada restauração política de Jerusalém e dos seus serviços religiosos (v. 20) e, segundo, para a restauração final da terra, dos quais o primeiro era um tipo. Os profetas muitas vezes viam as últimas realizações divina através da transparência da iminência de acontecimentos históricos.
Isaías menciona a “lua nova”, juntamente com o sábado, porque a primeira desempenhava um papel vital na determinação do início do novo ano, de cada mês, e também das datas para comemorar os principais festivais anuais, tais como a Páscoa, o Pentecostes, e o Dia da Expiação. Para eles o aparecimento da lua nova significava a regularidade e estabilidade da adoração.
Tanto a adoração pessoal como a pública será regular e rica em expressão e significado. Na vida presente, adoramos a Deus apesar de nem sempre entender por que Ele permite que o ímpio prospere e os inocentes sofram. Na nova terra, esse mistério será resolvido pois aos remidos será dada a oportunidade de compreenderem a imparcialidade dos julgamentos de Deus. “Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos séculos! . . . porque os teus juízos foram revelados” (Ap 15:4). Esta revelação da justiça e da misericórdia divina inspirará os remidos a louvarem a Deus, dizendo: “Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder são do nosso Deus, porquanto verdadeiros e justos são os seus juízos” (Ap 19:1-2).
A adoração será mais rica na nova terra, não só por causa da apreciação plena da misericórdia e da justiça de Deus, mas também por causa da oportunidade de adorar a Deus de forma visível. “…O trono de Deus e do Cordeiro estará na cidade, e os seus servos o servirão. Eles verão a sua face, e o seu nome estará em suas testas” (Ap 22:3-4). Este texto sugere que o culto a Deus na nova terra irá enriquecer os crentes com um completo conhecimento e gozo de Deus…
Comunhão com Todos os Crentes
A comunhão que vamos desfrutar com a Trindade vai colocar-nos em comunhão com os crentes de todas as idades e de todo o mundo. Hoje só podemos ter comunhão com aqueles que vivem em nosso tempo e em nosso entorno imediato. Na nova terra, a nossa irmandade vai se estender àqueles que viveram em todos os países e eras: patriarcas, profetas, apóstolos, mártires, missionários, pioneiros, nossos antepassados, familiares e descendentes, pastores e leigos.
O símbolo desta comunhão é o grande banquete de casamento do Cordeiro: “Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro” (Ap 19:9). Esta comunhão vai incluir “uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, de todas as tribos, povos e línguas” (Ap 7:9). É impossível imaginar a inspiração e informação que vamos ganhar ao nos tornar pessoalmente familiarizados com as pessoas mais bem dotadas que já viveram.
Numa altura em que muitos cristãos estão perdendo o interesse no mundo vindouro porque o acham muito casto, muito desinfectado, muito irreal, e muito chato, é imperativo recuperar a visão bíblica holística e realista da nova terra. Ela será um lugar onde todas as faculdades serão desenvolvidas, nossas mais elevadas aspirações serão realizadas, os mais grandiosos empreendimentos serão realizados, e a mais doce comunhão com Deus e com os semelhantes será apreciada.
Esta gloriosa visão bíblica do mundo vindouro pode despertar a nossa imaginação, alimentar a nossa esperança e fortalecer a nossa fé, enquanto vivemos entre as incertezas e dificuldades da vida presente. Ela pode inspirar-nos “a viver sóbria, reta, justa e piedosamente neste mundo” (Tito 2:13), enquanto estamos aguardando a consumação da nossa bendita esperança, a vinda de nosso Salvador para restaurar este mundo à sua perfeição original.
Parte III. Haverá Relações Conjugais no Mundo Vindouro?
Haverá relações conjugais no mundo vindouro? A resposta de muitos cristãos sinceros é “NÃO!” Eles acreditam que na ressurreição os remidos receberão algum tipo de corpo espiritual “unisex” que irá substituir nossos atuais corpos físicos e heterossexuais. Sua crença é proveniente de um mal-entendido das palavras de Jesus em Mateus 22:30: “Porque na ressurreição nem se casam nem são dados em casamento, mas serão como anjos no céu”.
Será que esse texto implica que na ressurreição todas as distinções sexuais vão ser abolidas e que nossos corpos não serão mais físicos? Se esta interpretação fosse correta, isso significaria que, ao contrário do que diz a Escritura, na criação original da humanidade, seres heterossexuais não eram realmente “muito bom” (Gn 1:31). Para remover os “erros” de sua criação original, Deus iria achar necessário no novo mundo criar um novo tipo de ser humano, supostamente composto de corpos “não-físicos e unisex”.
Mudança Implica Imperfeição
Para dizer o mínimo, este raciocínio é absurdo para quem crê na omnisciência e imutabilidade de Deus. É normal para os seres humanos introduzirem novos modelos e estruturas para eliminar as deficiências existentes. Para Deus, porém, isso seria anormal e incoerente, pois Ele conhece o fim desde o início.
Se na ressurreição Deus fosse mudar nossos atuais corpos físicos e heterossexuais em corpos “não-físicos e unisex”, então, como Anthony A. Hoekema observa com razão: “O diabo teria vencido uma grande vitória, visto que Deus teria então sido obrigado a mudar os seres humanos com um corpo físico, como ele havia criado, em criaturas de uma espécie diferente, sem um corpo físico (como os anjos). Então, pareceria na verdade que a matéria tinha se tornado intrinsecamente má, e teria que ser banida. E então, num certo sentido, os filósofos gregos teriam provado estarem certos. Mas a matéria não é má, ela faz parte da boa criação de Deus”.
Como Anjos
Um estudo da declaração de Jesus em seu próprio contexto não dá suporte à visão de que na ressurreição os remidos receberão corpos angélicos, não-físicos e unisex. O contexto é uma situação hipotética criada pelos saduceus, em que seis irmãos casaram-se em sucessão com a viúva de seu irmão. O objetivo de tais sucessivos casamentos era o levirato, não era relacional, mas para procriação, ou seja, “suscitar descendência” ao irmão falecido (Mt 22:24). A questão colocada pelo teste dos saduceus era: “Na ressurreição, de qual dos sete será ela mulher?” (Mt 22:28).
Para responder a esta situação hipotética, Jesus afirmou: “Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. Porque, na ressurreição, nem casam, nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu” (Mt 22:30). No contexto da situação hipotética de sete irmãos casando com a mesma mulher para dar-lhe uma prole, a referência de Cristo para não se casar ou se dar em casamento, mas ser como os anjos, provavelmente significa que o casamento como um meio de procriação deixará de existir no mundo vindouro. É evidente que se não nascem novas crianças, aqui não haverá possibilidade de se casar um filho ou de dar uma filha em casamento. A cessação da função reprodutiva do casamento vai fazer os remidos “Como os anjos” que, aparentemente, não se reproduzem após sua própria semelhança.
Em sua resposta, Jesus não lida com a questão imediata do estado civil da mulher casada sete vezes, mas com a questão mais ampla da função reprodutiva do casamento, que, afinal, era a razão dos sete irmãos casaram-se com a mesma mulher. Este método indireto de responder a perguntas não é incomum nos ensinamentos de Jesus. Por exemplo, quando questionado pelos fariseus: “É lícito ao homem repudiar sua mulher?” (Marcos 10:02), Jesus optou por ignorar a questão imediata, enfatizando o design original da Criação para o casamento como um compromisso ao longo da vida, sem divórcio (Marcos 10:5-9).
Solteiro no Céu?
A cessação da função reprodutora do casamento implica também a rescisão de sua função relacional? Não é necessariamente assim. Se Deus criou os seres humanos no início como macho e fêmea, com a capacidade de experimentar uma unidade de comunhão íntima, não há razão para supor que Ele vai recriá-los no final, como seres unissex, que vão viver como pessoas solteiras, sem a capacidade de experimentar a unidade de comunhão existente em um relacionamento homem / mulher.
A doutrina das primeiras coisas, conhecida como etiologia, deve iluminar a doutrina das Últimas Coisas, conhecida como escatologia. Se Deus achou Sua criação do ser humano como homem e mulher muito boa (Gn 1:31), no início, Ele iria descobrir que não era tão boa assim no final? Temos razões para acreditar que aquilo que era “muito bom” para Deus, no início também será “muito bom” para ele no final.
Os cristãos, que acreditam que a vida humana não se originou perfeitamente por escolha divina, mas imperfeitamente por acaso, por geração espontânea, podem achar que é racional acreditar em uma reestruturação radical dos seres humanos de físicos e heterossexuais para não-físicos e unissexuais. Eles poderiam explicar essa transformação, como parte do processo evolutivo usado por Deus. Mas para os cristãos como eu, que acreditam em uma criação original perfeita e que celebram com o sábado a perfeição da criação original de Deus, é impossível imaginar que no final Deus vai mudar radicalmente a estrutura e natureza do corpo humano.
Cessação da Procriação
A cessação da capacidade reprodutiva humana no mundo vindouro, como implica a declaração de Jesus em Mateus 22:30, pode ser vista como uma mudança no projeto original de Deus para a função da sexualidade humana. Mas isso não é necessariamente verdade. A Escritura sugere que Deus já tinha contemplado tal mudança em seu plano original, quando disse: “Sede fecundos e multiplicai e enchei a terra” (Gn 1:28).
O comando para “encher a terra” pressupõe que Deus tinha a intenção de encerrar o ciclo de reprodução uma vez que a terra tivesse sido preenchida por um número ideal de pessoas. Em um mundo perfeito, sem a presença da morte, o equilíbrio ecológico entre a terra e o povo teria sido alcançado em um tempo relativamente curto. Naquela ocasião, Deus teria interrompido o ciclo de reprodução das criaturas humanas e sub-humanos, para proteger o ecossistema do planeta.
É razoável presumir que a ressurreição e a trasladação dos santos constituem o cumprimento do plano original de Deus para o “preenchimento” da terra. Em certo sentido, os remidos representam o número ideal de habitantes que esta terra renovada será capaz de suportar de forma adequada. Isto é sugerido pela referência a nomes ” escritos antes da fundação do mundo no livro da vida” (Ap 13:8; 17:08 ver; 21:27, Dan 13:1; Filip 4:3). A menção dos nomes sugere a existência de um plano original divino para um número ideal de justos habitar esta terra. Tivesse o pecado não surgido, Deus em Sua providência teria interrompido o ciclo de reprodução uma vez que o número ideal de pessoas haviam sido atingidas. Mas a cessação da função reprodutora do casamento, antes ou depois da queda não exige a cessação da sua função relacional.
A Continuidade dos Relacionamentos
A referência de Jesus a sermos “como anjos” (Mateus 22:30) na ressurreição não implica necessariamente a cessação da função relacional do casamento. Lugar nenhum das Escrituras sugerem que os anjos são seres “unisex”, incapazes de se envolver em um relacionamento íntimo semelhante ao do casamento humano. O fato de que os anjos são frequentemente mencionados na Bíblia em pares (Gn 19:1; Ex 25:18; 1 Rs 6:23) sugere que eles podem desfrutar de relações íntimas de casais.
Deus revelou-se, não como um Ser solitário que vive em alheamento eterno, mas como uma comunhão de três seres tão intimamente unidos que nós adoramos como um só Deus. Se o próprio Deus vive em um relacionamento mais íntimo com os outros membros da Trindade, não há razão para crer que Ele eliminaria no final a função unitiva do matrimónio que Ele próprio, estabeleceu na criação.
O Suporte para esta conclusão é fornecido também pelo fato de que as distinções sexuais de masculinidade e feminilidade são apresentados nas Escrituras como reflexo da “imagem de Deus” (Gn 1:27). Um aspecto da “imagem de Deus” na humanidade é a capacidade dada por Deus ao homem e a mulher experimentarem através do casamento uma unidade de companheirismo semelhante à existente na Trindade. Se a masculinidade e a feminilidade humanas refletia a imagem de Deus na criação, temos razão para acreditar que vão continuar a refletir a imagem de Deus na restauração final de todas as coisas. O propósito da redenção não era a destruição da criação original de Deus, mas a sua restauração para a sua perfeição original. É por isso que a Escritura fala da ressurreição do corpo e não da criação de novos seres.
Os Comentários de Ellen White Sobre a Reunificação das Famílias
Os ensinamentos de Ellen White sobre as relações conjugais no mundo vindouro parecem ser contraditórios. Por um lado, ela afirma que não haverá casamento no mundo por vir, mas por outro lado, ela afirma várias vezes que as famílias vão se reunir. As declarações ocorrem em cartas de conforto que ela escrevia para pessoas que perdiam um ente querido.
Quanto a casamentos e nascimentos na nova terra, Ellen White afirma claramente:
“Homens há hoje que expressam a crença de que haverá casamentos e nascimentos na nova Terra; os que crêem nas Escrituras, porém, não podem admitir tais doutrinas. A doutrina de que nascerão filhos na nova Terra não constitui parte da “firme palavra da profecia”. As palavras de Cristo são demasiado claras para serem entendidas mal.” Elas esclarecem de uma vez por todas a questão dos casamentos nascimentos na nova Terra. Nenhum dos que forem despertados da morte, nem dos que forem trasladados sem ver a morte, casará ou será dado em casamento. Eles serão como os anjos de Deus, membros da família real” (Mensagens Escolhidas I, págs 172 e 173).
Esta afirmação categórica parece contradizer os comentários de Ellen White sobre a reunificação das famílias na vinda de Cristo. Seus comentários são normalmente encontrados em cartas de conforto que ela escreveu para as pessoas que tinham perdido um membro da família.
Para um irmão que perdeu a esposa, Ellen White escreveu:
“Oraremos por vós e por vossos preciosos pequeninos, para que possais, mediante paciente continuação em fazer o bem, conservar vossa face e vossos passos sempre em direção do Céu. Oraremos para que tenhais influência e êxito em guiar vossos pequenos, a fim de que, com eles, possais alcançar a coroa da vida, e no lar lá de cima, que agora está sendo preparado para nós, vós e vossa esposa e filhos possais ser uma família reunida, feliz e jubilosa, para nunca mais vos separardes” (Mensagens Escolhidas 2, págs 262-263).
Escrevendo para crianças que perderam o pai, Ellen White as encoraja com estas palavras:
“Dai vosso coração ao amante Salvador, e fazei tão-somente aquilo que é agradável a Sua vista. Não façais nada que entristeça vossa mãe. Lembrai-vos de que o Senhor vos ama, e que cada um de vós pode tornar-se membro da família de Deus. Se fordes fiéis aqui, quando Ele vier nas nuvens do céu revereis vosso pai, e sereis uma família unida” (Mensagens Escolhidas 2, págs 265-266).
Como conciliar os comentários de Ellen White sobre a reunificação das famílias na nova terra, com suas declarações de que não haverá casamentos no mundo vindouro? Quer isto dizer que as famílias existentes serão reunidas, mas os crentes que são solteiros na vinda de Cristo, vão permanecer solteiros por toda a eternidade? Haverá dois grupos de pessoas na nova terra: as famílias e os solteiros, vivendo lado a lado?
Se a instituição do casamento termina no mundo por vir, então, membros de uma mesma família não irão se reunir, mas serão separados e viverão um estilo de vida de solteiros. Acho que é difícil aceitar essa visão, porque, como dito anteriormente, Deus achou Sua criação do ser humano como homem e mulher muito boa (Gn 1:31) no início. É difícil acreditar que no final Deus iria descobrir que sua criação original masculino / feminino não era tão boa depois de tudo. Temos razões para acreditar que aquilo que era “muito bom” para Deus, no início também será “muito bom” para ele no final.
Conclusão
A conclusão que emerge do nosso estudo da Bíblia é que a nova Terra não será um mundo etéreo em algum lugar fora do espaço habitado por almas espirituais, angelicais e unisex, mas o nosso mundo de hoje, restaurado à sua perfeição original e habitado por pessoas físicas reais. Descobrimos que as Escrituras retratam a nova terra como um lugar cosmopolita complexo, onde pessoas de diferentes raças, culturas e línguas, viverão uma vida ativa e emocionante.
Alguns dos aspectos mais gratificantes de viver na nova terra será adorar a Deus de modo visível, experimentar mais plenamente a Sua presença e poder em nossas vidas, a comunhão com os crentes de todas as eras, o alcançar nossas mais elevadas aspirações, o viver em um mundo limpo e feliz, sem medo da poluição, violência, acidentes, doenças e morte.
Quanto à instituição do casamento, a Escritura sugere a cessação da função procriativa do casamento no mundo vindouro. Mas a função relacional do casamento vai continuar. Deus criou os seres humanos no início como macho e fêmea, com a capacidade de experimentar uma unidade de comunhão íntima. Assim, não há razão para supor que Ele vai recriá-los no final, como seres unisex, que vão viver como pessoas solteiras, sem a capacidade de experimentar a unidade de comunhão existente em um relacionamento homem / mulher.
Deus revelou-se, não como um Ser solitário que vive em alheamento eterno, mas como uma comunhão de três seres tão intimamente unidos que nós os adoramos como um só Deus. Se o próprio Deus vive em um relacionamento mais íntimo com os outros membros da Trindade, não há razão para crer que Ele eliminaria no final a função unitiva do matrimónio e que Ele próprio estabeleceu na criação.
Estudo de autoria do já falecido Samuele Bacchiocchi, Ph. D., Professor aposentado de Teologia e História da Igreja, Andrews University. Extraído de sua EndTime Issue Newsletter nr.173.
É isso que a Bíblia ensina sobre a vida no mundo vindouro? Irão os remidos receber um corpo espiritual, angélico e unisex que impeça as relações conjugais? Será que eles vão passar a eternidade em uma espécie de retiro monástico, dedicado à eterna contemplação e meditação, ou eles vão se envolver nas atividades normais da vida atual?
O pensamento de passar a eternidade em um centro etérico em algum lugar fora do espaço, trajando vestes brancas, dedilhando harpas, cantando, meditando, e contemplando, era atraente para os cristãos medievais, que previam o Paraíso como uma espécie de retiro monástico. Essa visão do Paraíso, no entanto, dificilmente pode agradar os cristãos do século XX, apaixonados pelas visões e sons das grandes metrópolis. Isto pode explicar porque a maioria dos cristãos de hoje não parecem estar esperando ansiosamente a vinda do Senhor para estabelecer Seu reino eterno. Eles não têm tanta certeza se querem viver como monges por toda a eternidade na bem-aventurança de um Paraíso etéreo o qual seja tão casto, tão desinfectado, e tão irreal.
Duas Fontes Inspiraram este Estudo da Bíblia
A inspiração para preparar este ensaio veio de duas fontes diferentes. A primeira, é um ensaio intitulado “Haverá Sexo no Céu?” de Mike Leno. Ele atualmente está servindo como pastor na Igreja Adventista em Ontário, Califórnia. Ao longo dos anos o Pastor Mike me convidou várias vezes para apresentar meus seminários nas igrejas que pastoreava, no Noroeste, Georgia e Califórnia. Ele é um pensador perspicaz e envolvente. Ele postou seu ensaio na edição de maio de sua Newsletter GraceNotes que pode ser acessada na página http://mikeleno.net/ . Você irá desfrutar de seus boletins de notícias pastorais. Eles são curtos, perspicazes e envolventes.
A segunda fonte é uma compilação de declarações de Ellen White sobre a reunificação das famílias no mundo por vir. A compilação foi elaborada por Raymond Mayer, MD, um médico aposentado que tem sido o mais gracioso e útil vizinho, nos últimos 13 anos. Recentemente, ele perdeu a esposa para o câncer depois de um casamento feliz que durou 52 anos. Embora ele ainda seja um homem muito saudável e enérgico, ele decidiu não voltar a se casar, porque ele está ansioso para reencontrar a sua dedicada esposa. Ele encontrou suporte para suas convicções em algumas declarações de Ellen White que serão citadas posteriormente.
Este ensaio “Haverá casamento no mundo vindouro?” foi extraído de dois de meus livros “O Pacto do Casamento” e “Ressurreição ou Imortalidade?”. Por razões de brevidade, eu seleccionei apenas os parágrafos que se relacionam mais diretamente ao nosso tema.
Os Objetivos Deste Estudo Bíblico
Este estudo bíblico procura entender os ensinamentos bíblicos sobre o Mundo por vir. Os cristãos devem estar ansiosos para aprender o máximo possível sobre o novo mundo que os espera no final de sua peregrinação terrena. Uma visão mais clara da nova terra, pode alimentar a esperança e fortalecer a fé daqueles que são chamados a viver entre as incertezas e dificuldades da vida presente.
Este estudo bíblico é dividido em três partes, que estão intimamente relacionadas. A primeira parte aborda a questão: Como serão as pessoas no mundo por vir? Os remidos serão ressuscitados com um corpo físico como o presente, ou será que eles recebem um corpo, espiritual / etherial / imaterial, radicalmente diferente? Será que vão ser as mesmas pessoas como as que existiam anteriormente na terra, ou serão completamente diferentes?
A segunda parte analisa a questão: Como será a vida no mundo por vir? Será que o novo mundo será um lugar material como o presente, ou será um reino “espiritual / etéreo” radicalmente diferente do nosso presente mundo? Os remidos exercerão algum tipo de atividades que hoje conhecemos, ou será que vão passar a eternidade em eterna contemplação e meditação?
A terceira parte discute a questão: Será que vai haver relações conjugais no mundo por vir? Irão os remidos viver um estilo de vida solitário como os monges? Será que a relação marido / esposa ainda continua no mundo por vir? Ou será que Deus vai mudar a concepção da Criação, recriando os redimidos como pessoas “unissex” que viverão um estilo de vida solitário?
Estas são questões fundamentais que merecem investigação bíblica cuidadosa, porque o que os cristãos acreditam sobre sua vida no mundo vindouro determina em grande parte como eles vivem suas vidas no mundo atual. Historicamente, a maioria dos cristãos têm imaginado o mundo por vir como um lugar que é bonito, mas etéreo, um lugar onde as sólidas alegrias da vida presente devem ser trocadas por uma existência espiritual de adoração e contemplação contínuas. Essa visão do mundo que virá se reflete nas linhas de hinos populares como aquele que diz: “Em mansões de glória e interminável deleite, Eu vou sempre Te adorar, no céu tão brilhante”.
A visão etérea do Paraíso foi inspirada pelo mais Filosófico dualismo grego do que pelo realismo bíblico holístico. Para os gregos, o corpo físico e os componentes materiais deste mundo eram maus, e, consequentemente, não dignos de sobrevivência. Seu objetivo era chegar a um reino espiritual onde suas almas, libertas da prisão de um corpo físico e de um mundo material, iriam desfrutar a felicidade eterna.
Realismo Bíblico
A Bíblia rejeita a visão etérea do mundo por vir, porque afirma a bondade da criação física de Deus. ”Era bom”, é o anúncio divino de toque de cada etapa da criação da vida humana e sub-humana (Gn 1:10, 18, 21, 25, 31). O propósito da redenção não é a libertação das almas espirituais da servidão de um corpo físico e de um mundo material, mas a restauração de toda a criação humana e sub-humana à sua perfeição original. O “novo céu e a nova terra” (Is 65:17; Ap 21:1) não são um mundo remoto e inconseqüente em algum lugar fora do espaço, mas eles são o céu e a terra renovados à sua perfeição original.
Parte I. Como Serão as Pessoas no Mundo Vindouro?
Antes de tomar um olhar mais atento aos vislumbres bíblicos sobre a vida no mundo por vir, vamos considerar como serão as pessoas no novo mundo. Será que os santos ressuscitados / transladados receberão um corpo físico como o presente ou um corpo espiritual radicalmente diferente do atual?
Nós tivemos antes a sorte de ter Paulo discorrido sobre esta questão que foi levantada pelos Coríntios: “Mas alguém pode perguntar: “Como ressuscitam os mortos? Com que espécie de corpo virão?” Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como o de trigo, ou o de outra qualquer semente. Mas Deus lhe dá um corpo como lhe aprouve, e a cada uma das sementes um corpo próprio” (1 Coríntios 15:35-38).
O que Paulo está dizendo aqui é que da mesma forma que Deus dá um corpo a cada tipo de semente que é semeada, ele também dará um corpo a cada pessoa que está enterrada. O fato de que os corpos mortos são enterrados como a semente na terra sugeriu a Paulo fazer a analogia com a semente. Paulo desenvolve a analogia das sementes, dando-nos a descrição mais clara que encontramos na Bíblia sobre a continuidade / descontinuidade entre o corpo presente e o futuro: “Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual” (1 Coríntios 15:42-44).
Nesta passagem, Paulo explica a diferença entre o nosso corpo atual e o corpo da ressurreição futura por meio de quatro contrastes. Esses contrastes são igualmente aplicáveis aos corpos dos santos vivos que serão transformados na volta de Cristo sem ver a morte. Em primeiro lugar, nossos corpos atuais são perecíveis (phthora), sujeitos às doenças e morte – mas nossos corpos ressurretos serão imperecíveis (aphtharsia) – não susceptíveis à doença e à morte. Em segundo lugar, nossos corpos atuais experimentam a desonra de serem baixados em uma sepultura, mas nossos corpos ressurretos vão experimentar a glória de uma transformação interior e exterior.
Em terceiro lugar, nossos corpos atuais são fracos, eles se tornam facilmente cansados e exaustos, mas os nossos corpos ressurretos serão cheios de energia, com energia ilimitada para realizar todas as nossas metas. Em quarto lugar, os nossos corpos atuais são físicos (soma psychikon), mas nossos corpos ressurretos serão espirituais (soma pneumatikon). Esse último contraste tem levado muitos a acreditarem que a ressurreição / transladação de nossos corpos será “espiritual” no sentido de eles consistirem de uma substância não-física, não-material, seja ela qual for.
A Ressurreição Espiritual do Corpo
Será que Paulo acreditava, e a Bíblia ensina que na ressurreição / transladação, os crentes receberão corpos não-materiais e não-físicos, totalmente desprovidos de substância física? Este é realmente o ponto de vista de muitos cristãos hoje. Eles definem “corpo espiritual – soma pneumatikon”, como significando um corpo não-físico adequado para o novo “ambiente celestial”.
Essa crença popular se baseia na suposição de que Deus vai condenar esta terra à desolação eterna e criar, em vez disso, um novo mundo celestial “adequado para a habitação de santos espirituais”. Esta hipótese levanta questões sérias sobre a sabedoria de Deus em primeiro criar um planeta para sustentar a vida humana e suburbana, apenas para descobrir mais tarde que ele não é o local ideal para a morada eterna dos remidos.
Este raciocínio é ridículo para quem acredita na omnisciência e imutabilidade de Deus. A mudança de modelos e estruturas é normal para seres humanos finitos que aprendem por tentativa e erro, mas seria anormal e inconsistente para um Deus infinito que conhece o fim desde o início. Se Deus descobriu que a matéria tornou-se intrinsecamente má e tinha que ser banida, então, em certo sentido, o diabo e os filósofos gregos, teriam provado estar certos. Mas a matéria não é má, porque faz parte da boa criação de Deus. A Bíblia afirma que este mundo material era “muito bom” (Gn 12:31) na criação, e não há razão para acreditar que será “muito ruim” na restauração final.
A prova mais convincente da bondade da presente criação é o ensino da ressurreição do corpo – um ensino que era absurdo e extremamente ofensivo para os pensadores gregos, que acreditavam que o corpo físico, assim como o mundo material são maus e, portanto, seriam descartados no momento da morte. Para eles, somente a alma sem corpo sobrevive à morte do corpo.
Aparentemente, alguns cristãos de Corinto foram influenciados por esta predominante visão dualista grega da natureza humana e seu destino. Isto é indicado pela pergunta de Paulo: “…como dizem alguns entre vós que não há ressurreição de mortos? (1 Cor 15:12). Paulo refuta esse erro ao afirmar a ressurreição do corpo. Este ensinamento fornece a prova mais convincente da continuidade entre a vida presente e a vida futura.
Vida Conduzida pelo Espírito
Alguns contestam a noção de continuidade, porque Paulo contrasta o corpo atual “físico-psychikos” com o futuro corpo ressurreto “espiritual—pneumatikon”. Para eles, esse contraste indica que o corpo da ressurreição não será mais físico consistindo de “carne e sangue”. Esta interpretação ignora que para Paulo “espiritual” não significa “não-físico”. Isso é evidenciado pelo seu uso das mesmas duas palavras (físico-psychikos / espiritual-pneumatikos), na mesma epístola com referência à vida presente: ” Ora, o homem natural [físico-psychikos] não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém o homem espiritual [pneumatikos] julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém” (1 Coríntios 2:14-15).
É óbvio que o homem espiritual nesta passagem não é uma pessoa não-física. Pelo contrário, é alguém que é guiado pelo Espírito Santo, em contraposição a alguém que é guiado pelos impulsos naturais. Da mesma forma, a ressurreição do corpo é chamada em 1 Coríntios 15:44 “espiritual” porque ela é regida não pelos impulsos carnais, mas pelo Espírito Santo. Isto não é um dualismo antropológico entre as naturezas “física–psyche” e “espiritual–pneuma”, mas uma distinção moral entre uma vida guiada pelo Espírito Santo e uma controlada por desejos pecaminosos.
Essa percepção nos ajuda a entender a declaração de Paulo alguns versos depois: “carne e sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção”. É evidente aqui, que Paulo não está dizendo que o corpo da ressurreição será não-físico, porque, escrevendo aos Romanos, ele diz: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós” (Rm 8:9).
Na frase “não estais na carne” Paulo obviamente não quiz dizer que os Cristãos tinham abandonado seus corpos físicos. Pelo contrário, ele quis dizer que já na vida presente, eles foram guiados pelos valores espirituais e não pelos valores mundanos (Rm 8:4-8). Se Paulo podia falar dos cristãos como não estando “na carne”, já na vida presente, a sua referência à ausência de “carne e sangue” no Reino de Deus, significa simplesmente a ausência das inclinações naturais, carnais e pecaminosas da vida presente, porque os remidos serão conduzidos integralmente pelo Espírito.
O Significado da Ressurreição do Corpo
O que, então, “a ressurreição do corpo” significa? Os escritores bíblicos sabiam tão bem quanto nós que não poderia significar a reabilitação de nossos atuais corpos físicos. Primeiro, porque muitos corpos estão doentes ou deformados, e segundo, porque a morte os decompõem e eles retornam ao pó (Sl 104:29;. Cf Ecles 3:20; Gn 3:19).
No ponto de vista Bíblico holístico da natureza humana, o termo “corpo” é simplesmente um sinónimo de “pessoa”. Por exemplo, quando Paulo apela “apresenteis os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12:1), ele está claramente pensando em toda a pessoa. Em vista desse fato, acreditar na ressurreição / transladação do corpo significa crer que todo o meu eu humano, o ser humano que “eu” sou, será restaurado à vida novamente. Isso significa que eu não vou ser alguém diferente de quem eu sou agora. Serei exclusivamente eu mesmo. Em resumo, isso significa que Deus se comprometeu a preservar minha individualidade, personalidade e caráter.
Central com a promessa bíblica da ressurreição do corpo está o compromisso de Deus para restaurar a vida das pessoas mesmo as que existiam anteriormente na terra. A Bíblia nos assegura a preservação da nossa identidade através da imagem sugestiva de “livros” onde os nossos “nomes”, pensamentos, atitudes e ações são registrados (Fp 4:3; Ap 3:5; 13:8; 17:08 ; 20:12).
Um nome na Bíblia representa o caráter ou a personalidade, como indicado pelos vários nomes usados para retratar o caráter de Deus. Isso sugere que Deus preserva uma imagem exacta do caráter de cada pessoa que já viveu neste planeta. O registro de cada vida é completo, pois Jesus disse: “…de toda palavra fútil que os homens disserem, hão de dar conta no dia do juízo. Porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado” (Mt 12 :36-37).
Cada crente desenvolve seu caráter próprio e único, como resultado das tentações, lutas, derrotas, decepções, vitórias, e crescimento em graça a cada uma dessas experiências. Isto significa que a possibilidade de “replicação múltipla” de pessoas na ressurreição, todas olhando, agindo e pensando da mesma forma, é inconcebível. Como não existem duas pessoas com o mesmo design de DNA molecular, do mesmo modo não há dois cristãos cuja personalidade seja a mesma. Cada um de nós tem um caráter e personalidade único que Deus preserva e unirá ao corpo ressuscitado.
Em uma sociedade onde as pessoas são muitas vezes consideradas como engrenagens de uma máquina, números em um computador, é reconfortante saber que Deus coloca um significado transcendente sobre nossa identidade pessoal. Ele tem escrito o nome de cada crente “antes da fundação do mundo no livro da vida” (Ap 13:8). Aos olhos de Deus o que finalmente conta, não é a nossa filiação à igreja, nossa linhagem familiar, nosso pertencimento racial, mas os valores, atitudes e decisões que caracterizam a nossa personalidade.
Algumas Implicações Práticas
As implicações práticas da crença na ressurreição da pessoa como um todo não são difíceis de ver. Crer na ressurreição do corpo significa crer que seremos capazes de reconhecer nossos entes queridos. Devemos reconhecer os nossos entes queridos, não necessariamente porque serão exatamente os mesmos de quando os vimos pela última vez, mas porque a sua individualidade e personalidade serão providencialmente preservadas e ressuscitam em um corpo totalmente novo dado por Deus.
Quando nós nos encontramos com colegas de escola após 20 ou 30 anos, na maioria das vezes temos dificuldade em reconhecê-los por sua aparência externa. Mas assim que eles começam a conversar, percebemos quem eles são, porque suas personalidades únicas realmente não mudaram. Eles ainda são a Maria, o João, ou o Bob que conhecemos muitos anos antes.
O mesmo princípio se aplica ao reconhecimento de nossos entes queridos ressuscitados. Devemos reconhecê-los, não porque eles parecerão tão jovens ou tão velhos como quando os vimos pela última vez, mas porque a sua individualidade e personalidade é providencialmente preservada e ressuscitada em um corpo novinho em folha por Deus.
O fato de que Deus vai restaurar a cada um de nós a nossa personalidade e caráter distintos, ensina-nos que a nossa futura personalidade é formada agora. Como bem colocou Ellen G. White, “O caráter formado nesta vida determinará o destino futuro” (Orientação da Criança, p. 229). Esta importante verdade convoca-nos a cultivar todos os poderes que Deus nos deu, a fim de desenvolvermos um caráter que esteja apto a servir a Deus, não só neste mundo, mas também no mundo vindouro.
Resumindo, então, as pessoas no mundo por vir terão corpos físicos como os atuais, mas sem as responsabilidades do pecado, doença e morte. O objetivo do Plano de Redenção não é remover os defeitos da original criação material de Deus, recriando a criação humana e sub-humanas de uma diferente substância não-física e “espiritual”, mas restaurar toda a criação à sua perfeição original. O que era “muito bom” na criação será provado ser “muito bom” na restauração final.
Parte 02. Como Será a Vida no Mundo Vindouro?
Na primeira parte deste estudo bíblico, concluímos que os redimidos vão ter um corpo físico, como o presente, mas sem as responsabilidades do pecado, doença e morte.
A próxima questão que queremos abordar é o próprio ambiente e o estilo de vida dos redimidos. Será que o novo mundo é um lugar material, como o presente, ou um reino “espiritual” radicalmente diferente deste mundo? Os remidos exercerão algum tipo de atividades que hoje conhecemos, ou será que vão passar a eternidade em eterna contemplação e meditação?
As passagens bíblicas que falam da vida na nova terra (Is 65:17-25, 66:22-23; Apocalipse 21:01-22:05), oferecem-nos apenas vislumbres do que a vida realmente vai ser lá. Assim, qualquer tentativa de caracterizar a vida, e as condições do mundo por vir deve ser vista como esforço muito limitado e imperfeito para descrever uma realidade que “olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem penetraram o coração do homem” (2 Coríntios 2:9).
A Renovação da Terra
Para apreciar os vislumbres bíblicos sobre a vida no mundo vindouro, é importante lembrar em primeiro lugar que na Bíblia a habitação eterna dos remidos está localizada aqui em baixo na terra, e não em algum lugar no céu. Tanto o Antigo como o Novo Testamento falam de um “novo céu e uma nova terra” (Is 65:17; Ap 21:1), como sendo, não um mundo diferente em algum ponto fora no espaço, mas o céu e a terra renovados e transformados à sua perfeição original.
A visão bíblica do mundo futuro é inspirada pela paz, harmonia, prosperidade material, e deleite do sábado da criação. O primeiro dia de Adão após sua criação funciona no Antigo Testamento como um paradigma dos Últimos Dias, uma designação comum para o mundo vindouro. A paz e a harmonia que existia entre Adão e os animais da criação será restaurada na nova terra quando “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabritinho, e o bezerro, o leão e o animal cevado andarão juntos , e uma criança os guiará” (Is 11:6).
Do mesmo modo, a prosperidade e abundância que prevalecia na criação serão restauradas na nova terra, onde “o que lavra alcançará ao que sega, e o que pisa as uvas ao que lança a semente; :e os montes destilarão mosto, e todos os outeiros se derreterão” (Amós 9:13, cf . Is 4:2; 30:23-25; Joel 3:18, 3:13 Sf). Estas descrições transmitem a imagem de uma verdadeira e abundante vida “terrena” no novo mundo. “O deserto torna-se um campo fértil” (Is 32:15) e “o lobo habitará com o cordeiro” (Is 11:6).
O Novo Testamento apresenta essencialmente a mesma visão do mundo por vir. Pedro fala que “…a terra, e tudo o que nela há…”, será purificada pelo fogo (2 Pe 3:10). O resultado será “um novo céu e uma nova terra, onde habita a justiça” (2 Pe 3:13). Paulo declara que toda a criação humana e sub-humana aguarda com grande desejo se libertar “do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8:19-21). João teve uma visão do “novo céu e a nova terra” que Deus vai estabelecer, após a purificação desta presente terra (Ap 21:1-4).
Vida Urbana Ativa
Talvez a imagem mais poderosa usada no Novo Testamento, para transmitir o sentido de continuidade entre o presente e o futuro mundo, é a imagem da Cidade Santa. Hebreus, por exemplo, diz que Abraão “aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador” (Hb 11:10). A experiência de Abraão é tipológica de todos os crentes, porque, como explica o mesmo autor, “não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir” (Hb 13:14).
O Novo Testamento termina com uma descrição mais impressionante da Cidade Santa, a Nova Jerusalém, na qual são bem-vindos “apenas aqueles que estão escritos no livro da vida do Cordeiro” (Ap 21:27). É duvidoso que todos os detalhes da cidade, tais como a alta muralha, as doze portas, os doze fundamentos, devem ser interpretados literalmente. Seja qual for o seu significado, pode ser que a visão da Cidade Santa transmita a imagem, não de uma vida mística monástica em um retiro paradisíaco, mas de vida urbana de intensa atividade na terra renovada.
A vida na Cidade Santa não será de isolamento e solidão, mas de comunhão, emoção e ação. A Nova Jerusalém será um complexo lugar cosmopolita onde todos os tipos de pessoas de diferentes raças, culturas e línguas, irão viver e trabalhar juntas e em paz. A vida não vai ser estática e chata, mas dinâmica e criativa.
A imagem dos redimidos vivendo juntos na Cidade de Deus, em inter-relação e interdependência representa o cumprimento do propósito divino para a criação e redenção. Na criação, Deus quis que os seres humanos encontrassem satisfação, não em viverem sozinhos, mas em trabalharem juntos para subjugar e dominar a terra. Através da redenção, Cristo nos reconcilia com Deus e com os nossos semelhantes, para que possamos viver em paz com todas as pessoas.
Vida Urbana Sancionada por Deus
A visão bíblica da Cidade Santa na nova terra, sugere que a estrutura da vida urbana é sancionada por Deus. Para muitos é difícil aceitar este ponto de vista, porque nossas cidades atuais são dificilmente um reflexo da Cidade de Deus. Pelo contrário, elas são os lugares onde o crime, o ódio, a hostilidade e a indiferença para com Deus e seus semelhantes prevalecem.
O estado atual da vida urbana não deve levar-nos a rejeitar, em princípio, a urbanização como uma estrutura social pecaminosa. O fato de que a vida urbana vai continuar na nova terra, nos diz que será possível para as pessoas viverem juntas em um complexo sistema urbano de inter-relação e interdependência, sem dar origem a problemas sociais, económicos, ecológicos, políticos e raciais que vivenciamos hoje. Além disso, essa visão de convivência na futura cidade de Deus desafia-nos, como cristãos a não abandonar as cidades em massa, fugindo do país, mas a trabalhar nelas e por elas, oferecendo a nossa influência cristã para ajudar a resolver seus muitos complexos problemas.
Atividade e Criatividade
A vida na nova terra não vai ser gasta em ociosidade ou meditação passiva, mas em atividades produtivas e de criatividade. Aqueles que pensam que os redimidos viverão no novo mundo como convidados glorificados, alimentados, alojados e entretidos por Deus, estão totalmente enganados. A nova terra não é uma espécie de mundo mágico da Disneylândia onde Deus fornece intermináveis passeios de graça para todos. Não haverá pessoas ociosas no mundo vindouro. Isaías escreve: “Eles edificarão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto. Não edificarão para que outros habitem; não plantarão para que outros comam; porque a longevidade do meu povo será como a da árvore, e os meus eleitos desfrutarão de todo as obras das suas próprias mãos” (Is 65:21-22).
A imagem bíblica do mundo de amanhã é aquela em que pessoas reais se envolvem em atividades produtivas e de criatividade. Não haverá falta de tempo ou de recursos para concluir os nossos projetos. No campo do conhecimento, hoje, nós só podemos riscar a superfície de qualquer disciplina e quanto mais aprendemos, mais percebemos que há ainda muito a ser aprendido. Na nova terra, não haverá limite para o nosso crescimento no conhecimento e na graça. “Todas as faculdades se desenvolverão, ampliar-se-ão todas as capacidades. A aquisição de conhecimentos não cansará o espírito nem esgotará as energias. Ali os mais grandiosos empreendimentos poderão ser levados avante, alcançadas as mais elevadas aspirações, as mais altas ambições realizadas; e surgirão ainda novas alturas a atingir, novas maravilhas a admirar, novas verdades a compreender, novos objetivos a aguçar as faculdades do espírito, da alma e do corpo” (O Grande Conflito pág 677).
Continuidade com a presença de Cultura
A vida na nova terra vai envolver uma certa continuidade com o que pode vagamente ser nossa cultura atual. Isto é sugerido pelo fato de que Deus vai purificar esta terra e ressuscitar o nosso corpo, ao invés de criar um novo planeta com habitantes novos.
Outra indicação significativa de continuidade é encontrada em Apocalipse 21:24, 26 que diz: “os reis da terra trarão para ela [cidade] a sua glória. . . . a ela trarão a glória e a honra das nações”. Esta passagem sugere, em primeiro lugar, que os habitantes da nova terra vão incluir pessoas que alcançaram grande destaque e poder neste mundo: reis, presidentes, cientistas, e assim por diante. Em segundo lugar, as contribuições únicas que indivíduos ou nações têm feito para a melhoria da vida presente não serão perdidas. Elas vão continuar a enriquecer a vida da nova terra. Isso nos dá razão para acreditar que os avanços tecnológicos do nosso tempo nos campos de computadores, comunicação e viagem não serão perdidos, mas serão muito maiores, refinados e aperfeiçoados.
Deus, que afirma a bondade do mundo que Ele fez, e que valoriza nossas realizações criativas, não irá simplesmente descartar todo o trabalho criativo que homens e mulheres têm produzido, muitas vezes em grande sacrifício pessoal. É reconfortante pensar que o valor do nosso trabalho criativo se estenderá além da vida presente para a nova terra. A preservação das conquistas da humanidade original sugere que a vida na nova terra não será monótona e sem cor, mas emocionante e gratificante.
Ausência do Mal
A diferença mais notável entre a nossa vida presente e a da nova terra será a ausência de todas as coisas que agora limitam ou prejudicam a nossa vida. O diabo, que é a fonte suprema de todas as formas do mal, será destruído no lago de fogo (Apocalipse 20:10). Por conseguinte, não haverá mais uma manifestação do mal dentro de nós ou ao nosso redor. É difícil imaginar como será viver no novo mundo sem a presença do ódio, ciúme, medo, hostilidade, discriminação, fraude, opressão, assassinato, concorrência predatória, rivalidades políticas, corridas armamentistas, recessões econômicas, tensões raciais, fome, disparidade entre ricos e pobres, doença e morte.
“Ele enxugará de seus olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem lamento, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Ap 21:4). Essas pinceladas ousadas sugerem muito mais do que elas realmente indicam. Elas sugerem que não haverá mais doenças incuráveis, nenhum acidente trágico, não haverá mais crianças aleijadas, serviços funerários, nem separações permanentes. Elas também sugerem que seremos capazes de realizar nossos objetivos inspirados por Deus. Em nossa vida presente, doença ou morte, muitas vezes termina com projetos ambiciosos que estávamos buscando. Na nova terra, todos terão tempo e recursos ilimitados para atingir as metas mais elevadas.
Ausência do Medo
A ausência do mal será evidente, especialmente a ausência do medo, insegurança e ansiedade. Nossa vida atual é constantemente exposta a riscos, incertezas e medos. Temos medo da perda do nosso trabalho, medo de ter um assaltante em nossa casa, de roubarem nosso carro, da infidelidade conjugal do nosso parceiro, do fracasso de nossos filhos na escola ou no trabalho, da deterioração da nossa saúde, da rejeição pelos colegas. Em uma palavra, temos medo de todas as incertezas da vida. Tais temores enchem nossas vidas com ansiedade, contradizendo assim o propósito de Deus para nós e diminuindo nosso potencial humano.
As Escritura usam várias imagens para tranquilizar-nos que na nova terra não haverá medo ou insegurança. Ela fala de uma cidade com bases permanentes construída pelo próprio Deus (Hb 11:10), e de “um reino que não pode ser abalado” (Hb 12:28). Talvez a imagem mais sugestiva de segurança para os cristãos do primeiro século fosse uma cidade com “um grande muro alto” (Apocalipse 21:12). Uma vez que os enormes portões eram fechados nas cidades antigas, os seus cidadãos poderiam viver dentro delas em relativa segurança. Para enfatizar a segurança completa na nova terra, a Cidade Santa foi mostrada à João como tendo paredes que são tão elevadas como o seu comprimento (Apocalipse 21:16).
Ausência de Poluição
Um dos aspectos mais agradáveis da vida na nova terra será o seu meio ambiente limpo. “Nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no Livro da Vida do Cordeiro” (Apoc 21:27). A liberdade da poluição moral do pecado será refletida na liberdade da poluição física do meio ambiente. A vida já não será ameaçada pela poluição irresponsável nem pelo esgotamento dos recursos naturais, porque os cidadãos da Nova Terra serão fiéis despenseiros da nova criação de Deus.
Não haverá “áreas para fumantes” na nova terra, porque ninguém nunca mais vai querer fumar. Que alívio será sermos capazes de respirar sempre ar fresco, ar limpo, dentro e fora de casa; de podermos beber de qualquer fonte de água límpida e cristalina, de comer alimentos frescos, saudáveis não contaminados por agrotóxicos ou conservantes!
Também é reconfortante o fato de que os cidadãos da nova terra serão administradores responsáveis da nova criação de Deus e não vão desperdiçá-la novamente. Eles provavelmente vão produzir poucos resíduos e saber como eliminá-los de tal forma que a natureza será capaz de assimilar e processar. Um perfeito equilíbrio ecológico será preservado, o que irá garantir o bem-estar da criação humana e sub-humana.
A Presença de Deus
O aspecto mais original e gratificante da vida na nova terra será uma experiência sem precedentes da presença de Deus entre o Seu povo. “Eis a morada de Deus com os homens. Ele habitará com eles, e eles serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles” (Ap 21:3). Essas palavras são familiares a promessa central da aliança da graça de Deus (cf. Jer 31:33; Hb 8:10), que será realizada totalmente na nova terra.
A presença de Deus na nova terra será tão real que “A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada” (Ap 21:23). Os crentes desfrutarão na nova terra abençoada a comunhão que Adão e Eva experimentaram a cada sábado, quando Deus ia visitá-los. A queda interrompeu esta comunhão abençoada, mas o sábado ficou para lembrar os fiéis da sua futura restauração (Hb 4:9). A nossa celebração semanal do sábado alimenta a nossa esperança da futura comunhão com Deus na nova terra. Isso vai ser, como diz Agostinho, “o maior dos sábados” quando “Aí repousaremos e veremos; veremos e amaremos; amaremos e louvaremos, E isto será no fim sem fim”.
Culto Regular e mais Rico
Central para a vida na nova terra será a adoração regular à Deus. Isaías descreve a regularidade e a estabilidade da adoração na nova terra, em termos familiares a seu tempo: “E será que, de uma Festa da Lua Nova à outra e de um sábado a outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz o SENHOR” (Is 66: 23). O contexto indica que essa reunião regular para adoração remete, antes de tudo, a tão esperada restauração política de Jerusalém e dos seus serviços religiosos (v. 20) e, segundo, para a restauração final da terra, dos quais o primeiro era um tipo. Os profetas muitas vezes viam as últimas realizações divina através da transparência da iminência de acontecimentos históricos.
Isaías menciona a “lua nova”, juntamente com o sábado, porque a primeira desempenhava um papel vital na determinação do início do novo ano, de cada mês, e também das datas para comemorar os principais festivais anuais, tais como a Páscoa, o Pentecostes, e o Dia da Expiação. Para eles o aparecimento da lua nova significava a regularidade e estabilidade da adoração.
Tanto a adoração pessoal como a pública será regular e rica em expressão e significado. Na vida presente, adoramos a Deus apesar de nem sempre entender por que Ele permite que o ímpio prospere e os inocentes sofram. Na nova terra, esse mistério será resolvido pois aos remidos será dada a oportunidade de compreenderem a imparcialidade dos julgamentos de Deus. “Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos séculos! . . . porque os teus juízos foram revelados” (Ap 15:4). Esta revelação da justiça e da misericórdia divina inspirará os remidos a louvarem a Deus, dizendo: “Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder são do nosso Deus, porquanto verdadeiros e justos são os seus juízos” (Ap 19:1-2).
A adoração será mais rica na nova terra, não só por causa da apreciação plena da misericórdia e da justiça de Deus, mas também por causa da oportunidade de adorar a Deus de forma visível. “…O trono de Deus e do Cordeiro estará na cidade, e os seus servos o servirão. Eles verão a sua face, e o seu nome estará em suas testas” (Ap 22:3-4). Este texto sugere que o culto a Deus na nova terra irá enriquecer os crentes com um completo conhecimento e gozo de Deus…
Comunhão com Todos os Crentes
A comunhão que vamos desfrutar com a Trindade vai colocar-nos em comunhão com os crentes de todas as idades e de todo o mundo. Hoje só podemos ter comunhão com aqueles que vivem em nosso tempo e em nosso entorno imediato. Na nova terra, a nossa irmandade vai se estender àqueles que viveram em todos os países e eras: patriarcas, profetas, apóstolos, mártires, missionários, pioneiros, nossos antepassados, familiares e descendentes, pastores e leigos.
O símbolo desta comunhão é o grande banquete de casamento do Cordeiro: “Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro” (Ap 19:9). Esta comunhão vai incluir “uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, de todas as tribos, povos e línguas” (Ap 7:9). É impossível imaginar a inspiração e informação que vamos ganhar ao nos tornar pessoalmente familiarizados com as pessoas mais bem dotadas que já viveram.
Numa altura em que muitos cristãos estão perdendo o interesse no mundo vindouro porque o acham muito casto, muito desinfectado, muito irreal, e muito chato, é imperativo recuperar a visão bíblica holística e realista da nova terra. Ela será um lugar onde todas as faculdades serão desenvolvidas, nossas mais elevadas aspirações serão realizadas, os mais grandiosos empreendimentos serão realizados, e a mais doce comunhão com Deus e com os semelhantes será apreciada.
Esta gloriosa visão bíblica do mundo vindouro pode despertar a nossa imaginação, alimentar a nossa esperança e fortalecer a nossa fé, enquanto vivemos entre as incertezas e dificuldades da vida presente. Ela pode inspirar-nos “a viver sóbria, reta, justa e piedosamente neste mundo” (Tito 2:13), enquanto estamos aguardando a consumação da nossa bendita esperança, a vinda de nosso Salvador para restaurar este mundo à sua perfeição original.
Parte III. Haverá Relações Conjugais no Mundo Vindouro?
Haverá relações conjugais no mundo vindouro? A resposta de muitos cristãos sinceros é “NÃO!” Eles acreditam que na ressurreição os remidos receberão algum tipo de corpo espiritual “unisex” que irá substituir nossos atuais corpos físicos e heterossexuais. Sua crença é proveniente de um mal-entendido das palavras de Jesus em Mateus 22:30: “Porque na ressurreição nem se casam nem são dados em casamento, mas serão como anjos no céu”.
Será que esse texto implica que na ressurreição todas as distinções sexuais vão ser abolidas e que nossos corpos não serão mais físicos? Se esta interpretação fosse correta, isso significaria que, ao contrário do que diz a Escritura, na criação original da humanidade, seres heterossexuais não eram realmente “muito bom” (Gn 1:31). Para remover os “erros” de sua criação original, Deus iria achar necessário no novo mundo criar um novo tipo de ser humano, supostamente composto de corpos “não-físicos e unisex”.
Mudança Implica Imperfeição
Para dizer o mínimo, este raciocínio é absurdo para quem crê na omnisciência e imutabilidade de Deus. É normal para os seres humanos introduzirem novos modelos e estruturas para eliminar as deficiências existentes. Para Deus, porém, isso seria anormal e incoerente, pois Ele conhece o fim desde o início.
Se na ressurreição Deus fosse mudar nossos atuais corpos físicos e heterossexuais em corpos “não-físicos e unisex”, então, como Anthony A. Hoekema observa com razão: “O diabo teria vencido uma grande vitória, visto que Deus teria então sido obrigado a mudar os seres humanos com um corpo físico, como ele havia criado, em criaturas de uma espécie diferente, sem um corpo físico (como os anjos). Então, pareceria na verdade que a matéria tinha se tornado intrinsecamente má, e teria que ser banida. E então, num certo sentido, os filósofos gregos teriam provado estarem certos. Mas a matéria não é má, ela faz parte da boa criação de Deus”.
Como Anjos
Um estudo da declaração de Jesus em seu próprio contexto não dá suporte à visão de que na ressurreição os remidos receberão corpos angélicos, não-físicos e unisex. O contexto é uma situação hipotética criada pelos saduceus, em que seis irmãos casaram-se em sucessão com a viúva de seu irmão. O objetivo de tais sucessivos casamentos era o levirato, não era relacional, mas para procriação, ou seja, “suscitar descendência” ao irmão falecido (Mt 22:24). A questão colocada pelo teste dos saduceus era: “Na ressurreição, de qual dos sete será ela mulher?” (Mt 22:28).
Para responder a esta situação hipotética, Jesus afirmou: “Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. Porque, na ressurreição, nem casam, nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu” (Mt 22:30). No contexto da situação hipotética de sete irmãos casando com a mesma mulher para dar-lhe uma prole, a referência de Cristo para não se casar ou se dar em casamento, mas ser como os anjos, provavelmente significa que o casamento como um meio de procriação deixará de existir no mundo vindouro. É evidente que se não nascem novas crianças, aqui não haverá possibilidade de se casar um filho ou de dar uma filha em casamento. A cessação da função reprodutiva do casamento vai fazer os remidos “Como os anjos” que, aparentemente, não se reproduzem após sua própria semelhança.
Em sua resposta, Jesus não lida com a questão imediata do estado civil da mulher casada sete vezes, mas com a questão mais ampla da função reprodutiva do casamento, que, afinal, era a razão dos sete irmãos casaram-se com a mesma mulher. Este método indireto de responder a perguntas não é incomum nos ensinamentos de Jesus. Por exemplo, quando questionado pelos fariseus: “É lícito ao homem repudiar sua mulher?” (Marcos 10:02), Jesus optou por ignorar a questão imediata, enfatizando o design original da Criação para o casamento como um compromisso ao longo da vida, sem divórcio (Marcos 10:5-9).
Solteiro no Céu?
A cessação da função reprodutora do casamento implica também a rescisão de sua função relacional? Não é necessariamente assim. Se Deus criou os seres humanos no início como macho e fêmea, com a capacidade de experimentar uma unidade de comunhão íntima, não há razão para supor que Ele vai recriá-los no final, como seres unissex, que vão viver como pessoas solteiras, sem a capacidade de experimentar a unidade de comunhão existente em um relacionamento homem / mulher.
A doutrina das primeiras coisas, conhecida como etiologia, deve iluminar a doutrina das Últimas Coisas, conhecida como escatologia. Se Deus achou Sua criação do ser humano como homem e mulher muito boa (Gn 1:31), no início, Ele iria descobrir que não era tão boa assim no final? Temos razões para acreditar que aquilo que era “muito bom” para Deus, no início também será “muito bom” para ele no final.
Os cristãos, que acreditam que a vida humana não se originou perfeitamente por escolha divina, mas imperfeitamente por acaso, por geração espontânea, podem achar que é racional acreditar em uma reestruturação radical dos seres humanos de físicos e heterossexuais para não-físicos e unissexuais. Eles poderiam explicar essa transformação, como parte do processo evolutivo usado por Deus. Mas para os cristãos como eu, que acreditam em uma criação original perfeita e que celebram com o sábado a perfeição da criação original de Deus, é impossível imaginar que no final Deus vai mudar radicalmente a estrutura e natureza do corpo humano.
Cessação da Procriação
A cessação da capacidade reprodutiva humana no mundo vindouro, como implica a declaração de Jesus em Mateus 22:30, pode ser vista como uma mudança no projeto original de Deus para a função da sexualidade humana. Mas isso não é necessariamente verdade. A Escritura sugere que Deus já tinha contemplado tal mudança em seu plano original, quando disse: “Sede fecundos e multiplicai e enchei a terra” (Gn 1:28).
O comando para “encher a terra” pressupõe que Deus tinha a intenção de encerrar o ciclo de reprodução uma vez que a terra tivesse sido preenchida por um número ideal de pessoas. Em um mundo perfeito, sem a presença da morte, o equilíbrio ecológico entre a terra e o povo teria sido alcançado em um tempo relativamente curto. Naquela ocasião, Deus teria interrompido o ciclo de reprodução das criaturas humanas e sub-humanos, para proteger o ecossistema do planeta.
É razoável presumir que a ressurreição e a trasladação dos santos constituem o cumprimento do plano original de Deus para o “preenchimento” da terra. Em certo sentido, os remidos representam o número ideal de habitantes que esta terra renovada será capaz de suportar de forma adequada. Isto é sugerido pela referência a nomes ” escritos antes da fundação do mundo no livro da vida” (Ap 13:8; 17:08 ver; 21:27, Dan 13:1; Filip 4:3). A menção dos nomes sugere a existência de um plano original divino para um número ideal de justos habitar esta terra. Tivesse o pecado não surgido, Deus em Sua providência teria interrompido o ciclo de reprodução uma vez que o número ideal de pessoas haviam sido atingidas. Mas a cessação da função reprodutora do casamento, antes ou depois da queda não exige a cessação da sua função relacional.
A Continuidade dos Relacionamentos
A referência de Jesus a sermos “como anjos” (Mateus 22:30) na ressurreição não implica necessariamente a cessação da função relacional do casamento. Lugar nenhum das Escrituras sugerem que os anjos são seres “unisex”, incapazes de se envolver em um relacionamento íntimo semelhante ao do casamento humano. O fato de que os anjos são frequentemente mencionados na Bíblia em pares (Gn 19:1; Ex 25:18; 1 Rs 6:23) sugere que eles podem desfrutar de relações íntimas de casais.
Deus revelou-se, não como um Ser solitário que vive em alheamento eterno, mas como uma comunhão de três seres tão intimamente unidos que nós adoramos como um só Deus. Se o próprio Deus vive em um relacionamento mais íntimo com os outros membros da Trindade, não há razão para crer que Ele eliminaria no final a função unitiva do matrimónio que Ele próprio, estabeleceu na criação.
O Suporte para esta conclusão é fornecido também pelo fato de que as distinções sexuais de masculinidade e feminilidade são apresentados nas Escrituras como reflexo da “imagem de Deus” (Gn 1:27). Um aspecto da “imagem de Deus” na humanidade é a capacidade dada por Deus ao homem e a mulher experimentarem através do casamento uma unidade de companheirismo semelhante à existente na Trindade. Se a masculinidade e a feminilidade humanas refletia a imagem de Deus na criação, temos razão para acreditar que vão continuar a refletir a imagem de Deus na restauração final de todas as coisas. O propósito da redenção não era a destruição da criação original de Deus, mas a sua restauração para a sua perfeição original. É por isso que a Escritura fala da ressurreição do corpo e não da criação de novos seres.
Os Comentários de Ellen White Sobre a Reunificação das Famílias
Os ensinamentos de Ellen White sobre as relações conjugais no mundo vindouro parecem ser contraditórios. Por um lado, ela afirma que não haverá casamento no mundo por vir, mas por outro lado, ela afirma várias vezes que as famílias vão se reunir. As declarações ocorrem em cartas de conforto que ela escrevia para pessoas que perdiam um ente querido.
Quanto a casamentos e nascimentos na nova terra, Ellen White afirma claramente:
“Homens há hoje que expressam a crença de que haverá casamentos e nascimentos na nova Terra; os que crêem nas Escrituras, porém, não podem admitir tais doutrinas. A doutrina de que nascerão filhos na nova Terra não constitui parte da “firme palavra da profecia”. As palavras de Cristo são demasiado claras para serem entendidas mal.” Elas esclarecem de uma vez por todas a questão dos casamentos nascimentos na nova Terra. Nenhum dos que forem despertados da morte, nem dos que forem trasladados sem ver a morte, casará ou será dado em casamento. Eles serão como os anjos de Deus, membros da família real” (Mensagens Escolhidas I, págs 172 e 173).
Esta afirmação categórica parece contradizer os comentários de Ellen White sobre a reunificação das famílias na vinda de Cristo. Seus comentários são normalmente encontrados em cartas de conforto que ela escreveu para as pessoas que tinham perdido um membro da família.
Para um irmão que perdeu a esposa, Ellen White escreveu:
“Oraremos por vós e por vossos preciosos pequeninos, para que possais, mediante paciente continuação em fazer o bem, conservar vossa face e vossos passos sempre em direção do Céu. Oraremos para que tenhais influência e êxito em guiar vossos pequenos, a fim de que, com eles, possais alcançar a coroa da vida, e no lar lá de cima, que agora está sendo preparado para nós, vós e vossa esposa e filhos possais ser uma família reunida, feliz e jubilosa, para nunca mais vos separardes” (Mensagens Escolhidas 2, págs 262-263).
Escrevendo para crianças que perderam o pai, Ellen White as encoraja com estas palavras:
“Dai vosso coração ao amante Salvador, e fazei tão-somente aquilo que é agradável a Sua vista. Não façais nada que entristeça vossa mãe. Lembrai-vos de que o Senhor vos ama, e que cada um de vós pode tornar-se membro da família de Deus. Se fordes fiéis aqui, quando Ele vier nas nuvens do céu revereis vosso pai, e sereis uma família unida” (Mensagens Escolhidas 2, págs 265-266).
Como conciliar os comentários de Ellen White sobre a reunificação das famílias na nova terra, com suas declarações de que não haverá casamentos no mundo vindouro? Quer isto dizer que as famílias existentes serão reunidas, mas os crentes que são solteiros na vinda de Cristo, vão permanecer solteiros por toda a eternidade? Haverá dois grupos de pessoas na nova terra: as famílias e os solteiros, vivendo lado a lado?
Se a instituição do casamento termina no mundo por vir, então, membros de uma mesma família não irão se reunir, mas serão separados e viverão um estilo de vida de solteiros. Acho que é difícil aceitar essa visão, porque, como dito anteriormente, Deus achou Sua criação do ser humano como homem e mulher muito boa (Gn 1:31) no início. É difícil acreditar que no final Deus iria descobrir que sua criação original masculino / feminino não era tão boa depois de tudo. Temos razões para acreditar que aquilo que era “muito bom” para Deus, no início também será “muito bom” para ele no final.
Conclusão
A conclusão que emerge do nosso estudo da Bíblia é que a nova Terra não será um mundo etéreo em algum lugar fora do espaço habitado por almas espirituais, angelicais e unisex, mas o nosso mundo de hoje, restaurado à sua perfeição original e habitado por pessoas físicas reais. Descobrimos que as Escrituras retratam a nova terra como um lugar cosmopolita complexo, onde pessoas de diferentes raças, culturas e línguas, viverão uma vida ativa e emocionante.
Alguns dos aspectos mais gratificantes de viver na nova terra será adorar a Deus de modo visível, experimentar mais plenamente a Sua presença e poder em nossas vidas, a comunhão com os crentes de todas as eras, o alcançar nossas mais elevadas aspirações, o viver em um mundo limpo e feliz, sem medo da poluição, violência, acidentes, doenças e morte.
Quanto à instituição do casamento, a Escritura sugere a cessação da função procriativa do casamento no mundo vindouro. Mas a função relacional do casamento vai continuar. Deus criou os seres humanos no início como macho e fêmea, com a capacidade de experimentar uma unidade de comunhão íntima. Assim, não há razão para supor que Ele vai recriá-los no final, como seres unisex, que vão viver como pessoas solteiras, sem a capacidade de experimentar a unidade de comunhão existente em um relacionamento homem / mulher.
Deus revelou-se, não como um Ser solitário que vive em alheamento eterno, mas como uma comunhão de três seres tão intimamente unidos que nós os adoramos como um só Deus. Se o próprio Deus vive em um relacionamento mais íntimo com os outros membros da Trindade, não há razão para crer que Ele eliminaria no final a função unitiva do matrimónio e que Ele próprio estabeleceu na criação.
Estudo de autoria do já falecido Samuele Bacchiocchi, Ph. D., Professor aposentado de Teologia e História da Igreja, Andrews University. Extraído de sua EndTime Issue Newsletter nr.173.
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